sexta-feira, 27 de maio de 2011

Emoção até o fim


Algumas obras, algumas histórias ... um romance belissimo da argentina Maria José Dupré termina da seguinte forma, ilustrando bem a solidão pela qual passa a protagonista, em um asilo, no final de sua vida: " Grossas gotas de chuva caíam do céu sobre a terra, cor de cinza, solidão "

Solidão. Mas o que é isso? Bem, tenho pra mim que  a senhorinha de oitenta anos que atendi dia desses aqui na cidade serve de exemplo.

Olhar triste, sombrancelhas convergindo para baixo. Ela não tinha qualquer queixa orgânica. Apenas a tristeza pela neta, filha de uma filha adotiva sua. Companheira diária dela. Nada de sangue. Tudo de amor.

Partiu ... Após uma simples cirurgias de redução de estômago que, pelo menos que pareceu, nem foi tão necessária assim. Ela era assim, triste. Nada mais. Apenas isso. Chorou na consulta.

Um filme. O menino do pijama listrado.Retrata um menino, filho de capitão nazista.Ao lado de sua casa, um campo de concentração.Inocente, faz amizade com outro menino, judeu. Todos os dias a amizade cresce. Até que, imbuído do desejo de conhecer a vida do amigo prisioneiro, sem saber sê-lo, entra no campo. Morrem ambos abraçados na camara de gás.Tudo porque eram amigos. A solidão de ambos os levou a serem amigos. O menino alemão era solitário.O menino César também.

Entra no quarto, atende a seu paciente soropositivo há mais de 20 anos.Ele está ali sozinho.Contraiu o vírus numa relação homossexual. 

O menino judeu, imperfeito aos olhos de parte da sociedade, diz ter amado demais uma pessoa que hoje não faz mais parte da sua vida.

Não quer mais amar, é apenas um homem que luta contra uma doença que o corrói a alma dia a dia. É triste. O que ele faz?  Ajuda a pessoas carentes na sua cidade, moradores de rua. Trabalho voluntário por hora paralisado por causa de uma internação. Sozinho, desprezado pela maioria da familia ... Há um tio que o desprezou, criticou, saudável, não "desviado sexualmente". O que faz?Bem, ontem estava curtindo sua cervejinha num bar da cidade com amigos. Coisas da vida ...

A Vida é Bela , outro filme maravilhoso.O protagonista mantém a fantasia do filho ocultando o mundo, a verdade dolorosa, do coraçãozinho daquele.Numa bela tarde um homem, subindo uma ladeira aqui da cidade , distraiu-se ao guiar seu ciclomotor há uns anos atrás. A 30 km por hora, cai lentamente e bate  a coluna no meio fio.Tetraplegia. Viveu acamado, carregando um sorriso nos lábios por tempos, até que sucumbiu em minhas mãos  num hospital da cidade, há alguns anos.Apenas a esposa ao lado. Sentia  a solidão acabar com sua alma. Não tinha um pai pra aliviar a verdade da sua vida.

É assim a vida. Queria dela um filme. Aonde eu pudesse mudar o final. Anularia a solidão.Essa que está ali, agora mesmo no leito de hospitais a quarteirões de onde voce, meu amigo, está agora.

Em algum ponto do mundo, alguém espera. Alguém sempre espera! Mais perto ainda do que imagina há alguém que mesmo com tanta gente ao redor, é uma ilha que sofre de sede. É só. Ou até você, leitor, talvez se sinta assim.

Mundo racional, frívolo demais. Não gosto disso.

E no filme da vida , o capitulo que vem a mente agora é de certo dia em que atendi uma ocorrencia num asilo da cidade. Era tarde, quase noite. Velhinhos reunidos ao redor da televisão. Silêncio sepulcral. Um deles estendeu-me a mão. Com uma tristeza no olhar já lacrimejando um sorriso doce. " Você é meu filho? Veio me buscar?" Caramba, como eu queria realmente que  a vida fosse um filme ! Eu mudaria o final naquela hora ! Como não consigo isso, dou razão á autora do primeiro paragrafo. Diante do velhinho, mais uma vez, aquela tarde foi " cor de cinza, solidão ... "

Por Cesar A. Esteves - Médico Especialista em Emergência e UTI